Ainda que várias histórias sejam recontadas sobre outras histórias relidas, ainda que a memória esvoace os detalhes íntimos das mais fantásticas fábulas, ainda assim, há um quê que se perpetua e transcende os pormenores perdidos no tempo.
Segundas leituras
Então não se preocupem em demasia com o nexo narrativo. Ao menos não tanto quanto você se preocuparia com o nexo simbólico. O mito é como a realidade, tem uma aparência imediata, uma primeira leitura de atos, nomes e datas, e várias camadas de novas leituras, recheadas de motivações, sentimentos, ardis, emoções e intuições. São essas segundas leituras que nos interessam nos encontros Mito e Mente.
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No último encontro Mito e Mente II vimos a infância nobre, a tragédia pessoal e familiar, a determinação e os aprendizados de Héracles em seus doze trabalhos. Foram duas horas de mito puro, percepções simbólicas e, no final, dinâmicas e debates de interpretação em grupo. Tudo isso regado a boas doses de queijos e vinhos, no maravilhoso Pub do Espaço Habitat Carioca!
Aqui no blog não cabe, infelizmente, a atmosfera mágica e íntima da contação do mito, das interpretações que fizemos e menos ainda a experiência da noite de símbolos entre vinhos chilenos e argentinos, uvas verdes e cubos de gruyere, sardo, gouda e minas, mas podemos dar uma ideia transcrevendo uma pequena parte da apostila diretamente para o blog.
Senhoras e senhores, bem vindos aos
Os
doze trabalhos de Héracles
Os famosos
doze trabalhos são, pois, as provas as quais o reis de Argos, o covarde
Euristeu, submeteu seu primo Herácles, por expiação pelo crime familiar, por ter assassinado - ainda que por um ardil dda toda-poderosa deusa Hera - sua primeira esposa Mégara e seus filhos.
“Num plano
simbólico, as doze provas configuram um vasto labirinto, cujos meandros,
mergulhados nas trevas, o herói terá de percorrer até chegar à luz, onde,
despindo a mortalidade, se revestirá do homem novo, recoberto com a
indumentária da imortalidade.” – Junito Brandão
Mas calma, querido participante dos encontros Mito e Mente, porque o couro do nosso querido herói ainda tem muito que ser curtido até lá...
O
número 12
Nenhum número é por acaso na mitologia.
Nem mesmo as três deusas amigas de Hera (três é um número típico para grandes
divindades femininas na Grécia), nem muito menos o número doze!
Segundo Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant, no seu maravilhoso Dicionário
de Símbolos: “é o número das divisões espaço-temporais, produto dos quatro
pontos cardeais pelos três níveis cósmicos. Divide o céu, visualizado como uma
cúpula, em doze setores, os doze signos do zodíaco, mencionados desde a mais
alta antiguidade (...) Doze
simboliza, pois, o universo em seu desenvolvimento cíclico espaço-temporal. O
duodenário, que caracteriza o ano e o zodíaco, representa a multiplicação dos
quatro elementos, água, ar, terra e fogo, pelo três princípios alquímicos,
enxofre, sal e mercúrio, ou ainda os três estados de cada elemento em suas
fases sucessivas: evolução, culminação e involução. (...) Também em torno da
Távola Redonda do rei Artur sentavam-se doze cavaleiros. (...) Doze é, por
conseguinte, o número de uma realização integral, de um fecho completo, de um
uróboro.
-I-
O Leão
O Leão
O primeiro
trabalho que Hera inspirou Euristeu a pedir a Herácles foi a caçada ao Leão de
Neméia, uma fera invencível e completamente invulnerável que devastava a região
montanhosa da Neméia.
O Leão era
neto de Tífon – o monstruoso dragão/serpente que seu pai Zeus teve de fulminar
para tomar posse de seu trono entre os deuses. Tífon era tão grande que, ao ser
enterrado nas entranhas da terra após sua derrota, formou com seu corpo
imortal, uma cordilheira.
Hércules
seguiu para a região da Neméia e não teve problemas em encontrar o rastro de
sangue e a pilha de cadáveres que levava até a caverna da fera. Preparou-se
para o confronto iminente e, assim que avistou o gigantesco animal que tinha a
sua altura (três metros de altura, nas quatro patas!) tentou matá-lo com as
flechas presenteadas por Apolo. Nada feito.
Hércules percebeu, ao longo de sua rotina diária de batalhas com a fera, que o Leão estava sempre bem disposto e alimentado, o que lhe causou uma grande estranheza porque ele, o herói, estava impedindo que o leão saísse para caçar justamente para tentar matá-lo de fome. Depois de alguma pesquisa pelas cavernas o herói descobriu o motivo: a caverna tinha outras saídas. Todas foram devidamente lacradas por pedras colossais e então o herói decidiu que era hora de “matar ou morrer” naquela inglória primeira tarefa e investiu com tudo contra o monstro.
Depois de muitos arranhões, cortes e mordidas profundas e abalos estrondosos de socos e pontapés trocados, caíram os dois, Herácles e o Leão, arfando pesadamente, um do lado do outro. Foi quando o herói olhou para o leão pensando em quem teria “mais fôlego” para ir até o fim, fosse qual fosse. Então ele percebeu: “Esse desgraçado respira!”. Mais rápido que o raio de seu pai, Herácles saltou para cima do Leão e – inaugurando o golpe “mata leão” – sufocou o animal até a morte.
Percebendo que, depois do tempo gasto para conseguir eliminar o animal, seria quase impossível arrastar todo o seu gigantesco peso a tempo até Euristeu. Viu-se diante de um novo problema: carregar a prova da morte do Leão!
Para isso abriu a pele do Leão com as próprias garras deste e, ainda por cima, fez da pele invulnerável do animal sua armadura cobrindo o peito, os ombros, a cabeça e toda a região das costas! Agora todos os seus desafios e desafiantes teriam de ter a hombridade de atacar de frente!
Ao aparecer para Euristeu com a gigantesca cabeça de leão com suas afiadas presas ao redor da própria cabeça, cruzando os poderosos braços e sorrindo, toda a corte de Argos testemunhou o pulo vergonhoso que o monarca deu, para se esconder dentro de um vaso de bronze, colocado ao lado do trono.
-II-
A Hidra
O segundo
trabalho de Herácles era livrar a região de Lerna, um pântano pestilento, da
Hidra, outro dos filhos de Tífon! A hidra era uma gigantesca serpente cujo
número de cabeças varia entre três a doze. De qualquer forma a cada vez que a
espada que Hermes deu ao nosso herói decapitava uma cabeça, duas novas nasciam
em seu lugar. Ainda que começasse com três cabeças não demoraria muito para
chegar em doze, ou mais.
Nessa jornada
o acompanhou seu sobrinho Iolau, filho de seu irmão. Iolau portava uma tocha
para iluminar os caminhos fechados do pântano e auxiliar Herácles na batalha.
Não demorou
para Herácles pedir a tocha emprestada para “cauterizar” os pescoços logo
depois de decapitá-los. Assim a Hidra foi vencida. Uma de suas cabeças era
imortal e não importava quantas vezes fosse cortada – ou em quantos pedaços! –
ela sempre voltava e se refazia. Então Herácles pegou a maior pedra que pôde
encontrar no pântano e esmagou essa última cabeça.
Do corpo da
Hidra saiu um sangue negro que, escorrendo por um rio próximo, fez todos os
peixes boiarem, mortos, à superfície. Entendendo a potência daquele veneno,
Herácles embebeu todas as suas flechas nele e, com isso, se tornou um inimigo
ainda mais mortífero.
-III-
O Javali
Quando carcaças
gigantescas de diferentes animais teoricamente indestrutíveis começaram a ser
lugar comum em Micenas, Euristeu resolve, sempre inspirado pela divina Hera,
pedir que Herácles traga um desses monstros vivo!
Havia na
Calidônia, região da Hiperbórea (acima da “casa” do vento Bóreas, que é o vento
que vem do norte), um enorme javali que, para variar, destruía tudo o que
estivesse ao seu redor.
Hércules o
domou pelas presas e o trouxe, arrastado e se debatendo, à presença de
Euristeu, que, à vista do gigantesco animal negro com suas mandíbulas e língua vermelho-sangue,
banhou seu rico trono com sua real urina.
-IV-
A Corça
Bem, se força física não parece ser um problema para o grandioso filho de Alcmena. O jeito é recorrermos a outros tipos de tarefas. Que tal correr? Correr mais do que uma corça, que é o símbolo mítico da velocidade, da agilidade e da elegância e graças femininas. E que tal uma corça sagrada, dedicada à deusa Ártemis, deusa das caçadas e dos animais selvagens? Parece mais interessante, não? Pois é o que Euristeu manda Herácles fazer, e que ela seja trazida viva!
Após chegar
na região de Cerínia, uma região inteira de floresta consagrada à deusa
Ártemis, o poderoso campeão grego passou um ano correndo atrás da corça. A bem
da verdade os primeiros dois meses foram apenas para aprender a diferenciar o
barulho do vento da passagem do animal. Daí em diante foi um treinamento
diário, constante, ininterrupto, de corrida. Ainda assim o herói só conseguiu
pegar o animal arisco porque foi dócil e esperou até que ele entrasse num rio
para ir pegá-lo.
Finalmente se apossando da
corça, Herácles recebeu a visita inesperada de seus dois irmãos divinos: Apolo
e Ártemis, a dona da corça. Nenhum dos dois parecia disposto a deixar Herácles
levar a bichinha para o insidioso Euristeu.
Herácles teve
de se comprometer em não deixar que a machucassem para que os deuses o
deixassem seguir viagem.
-V-
As Aves
Os trabalhos
teriam de ser cada vez piores e a dupla Hera e Euristeu não pouparam esforços
em suas pesquisas para enviar Herácles aos piores cantos do mundo até então
conhecido. A nova modalidade, visto que o herói havia ido bem em matar monstros
em terra e água e, também em trazer vivos seres fantásticos, era matar aves.
Mas não aves comuns, claro!
As aves do lago
Estínfalo eram dezenas de aves com penas de bronze (invulneráveis a flechas normais)
que voavam a um quilômetro de altura e se alimentavam de carne humana. A queda
de suas penas cuidava de matar pessoas e destruir propriedades ao redor do lago
e, não fosse isso problema suficiente, elas se escondiam durante o dia em
vários pequenos orifícios em cavernas próximas ao lago. Orifícios pequenos
demais para que o gigantesco filho de Zeus conseguisse enfiar as mãos, um a um.
Chegando na
região do lago, Herácles começou a fazer barulho e a bater palmas para
afugentar as aves de seus esconderijos. Às vezes conseguia fazer uma ou outra
sair por alguns instantes e, retesando eu arco com flechas embebidas no
venenoso sangue da Hidra, matava-a. A tarefa estava lenta demais. Provavelmente
mais lenta do que o tempo que as próprias aves levavam para se reproduzir.
Herácles
para, à beira do lago, e pensa no que fazer para afastar aquelas aves todas de
uma vez só. Então Hefesto, seu irmão divino e deus da força e dos metais, lhe
envia a idéia de aproveitar as inúmeras penas de bronze ao redor e fazer com
elas um chocalho. Sacudindo-o no ar sobre a superfície do lago o herói tem a
grata surpresa de criar um barulho tão insuportavelmente alto e irritante que
as aves todas lançam vôo imediatamente! Ele não perde tempo e as alveja, uma a
uma, com suas flechas envenenadas!
De brinde
ainda leva novas “ponteiras” para suas novas flechas no futuro: as próprias
penas das aves mortas.
-VI-
Os estábulos de Augias
Augias era o
gigante rei filho de Hélios, o luminoso deus-sol que tudo vê, e foi o próximo
escolhido de Hera para ser agraciado pelos serviços de Herácles. Mas dessa vez
nada glorioso como matar grandes feras que acabavam servindo de troféus para o
poderoso herói enquanto cruzava a Grécia ou sendo incrementadas ao seu já vasto
arsenal. A tarefa era se apresentar a Augias para limpar seus estábulos,
carregados com três décadas dos estrumes de bois, cabras e cavalos. Nada glorioso,
heróico ou engrandecedor para seu ego.
Herácles
tinha um ano para cumprir a tarefa, como teve com cada uma das anteriores e,
checando cada espaço do reino de Augias e fazendo pequenas tarefas aqui e ali
fazendo o máximo para não ser notado, se apresentou ao rei com uma proposta:
limparia todos os estábulos em um dia! Isso, é claro, em troca de um décimo do
rebanho do grande rei. Se não conseguisse ficaria como escravo de Augias após
servir a Euristeu.
Gargalhando
muito, Augias concordou e levou Herácles até a área dos estábulos, onde o herói
fingiu estar muito impressionado com as grandes montanhas de esterco e todo
tipo de verme e pequenos animais que por ali já criavam seu habitat. Augias deu
um tapinha no ombro do herói e foi-se embora, gargalhando.
Herácles
desviou a vazão dos rios Alfeu e Peneu para que passassem por dentro do
estábulo como um gigantesco tsunami, carregando tudo o que não fosse parede por
lá. Em questão de horas o trabalho estava feito e as paredes do estábulo cintilavam!
Augias se
negou a honrar o compromisso estabelecido com o Herói e acabou tendo de travar
duas guerras contra ele. Motivo pelo qual Herácles acabou mesmo voltando só
depois de um ano para junto de Euristeu, mas não sem trazer junto um décimo do
rebanho do ex-rei, morto a flechadas por Herácles.
-VII-
O Touro
Euristeu e
Hera perceberam que poderiam ter dois grandes novos aliados na batalha contra
Herácles: o tempo e o espaço! Estavam enviando o herói para realizar tarefas em
terras muito próximas! O próximo trabalho incluiria atravessar o mar e
enfrentar um animal fantástico na poderosa ilha de Creta. Além, é claro, de
voltar com o animal para comprovar seu feito.
Minos, rei de
Creta, havia feito uma promessa a Pósidon, deus dos mares, de que sacrificaria
em favor deste último qualquer animal que saísse das águas do mar. Assim
conseguiria seus favores na navegação e no seu reino submarino.
Acontece que
Pósidon enviou a Minos um touro enorme e majestoso, como nenhum ser humano
jamais havia visto. Minos percebeu que, colocando esse touro para procriar com
seu rebanho, ele teria um rebanho incrível e poderia negociá-lo a preço de ouro
com seus vizinhos comerciais. Então o rei enviou um outro touro para ser
sacrificado, na esperança de que Pósidon não notasse a óbvia diferença! Não é
preciso dizer que não deu lá muito certo, não é mesmo?
Pósidon,
irado, enlouqueceu o touro que havia enviado a Minos. O animal, antes pacífico,
começou a soltar chamas pelo nariz e a destruir tudo ao seu redor, parando
apenas para dormir. Algumas semanas depois disso Herácles aporta em Creta e se
oferece para resolver o problema. Lutando bravamente contra o gigantesco
animal, o filho de Zeus consegue prendê-lo pelos chifres e cavalgá-lo sobre o oceano
de volta até Micenas. Lá oferece o touro a Euristeu, que se joga dentro do vaso
de bronze que ficava ao lado de seu trono e não consegue, sequer, pronunciar
palavra, a não ser pensar – apenas pensar, e pensar gaguejando! – que gostaria
de oferecer o touro a Hera. A deusa lhe ordena que mande Herácles soltar o
animal nas planícies da cidade de Maratona.
Mais tarde
esse mesmo touro será um problema para outro herói e amigo de Herácles, Teseu.
-VIII-
As éguas
Como o
trabalho anterior fora cumprido quase no limite de tempo estabelecido, Hera e
Euristeu, ainda que muito frustrados, sentiram que estavam no caminho certo
enviando o herói para lugares longínquos. Então a deusa inspirou Euristeu a
lembrar do grande Diomedes, um poderoso filho de Ares, deus da guerra, que
habitava os limites do mundo conhecido.
Acontece que
Diomedes tinha uma natureza extremamente sádica e havia criado suas famosas
éguas alimentando-as com carne humana, o que deixava elas com um ânimo muito
parecido com o que tivemos no mal da “vaca louca” alguns anos atrás. A oitava
tarefa de Herácles seria ir até Diomedes e domesticar suas éguas, para que
fossem pacíficas.
Diomedes
ataca Herácles assim que o vê, sem dar sequer tempo para conversa, e, no calor
da batalha, o herói joga o filho de Ares, já bem devidamente espancado, na
frente das éguas que, após se banquetearem com a carne do seu antigo mestre,
magicamente se tornam mansas e tranquilas.
-IX-
O cinturão
Euristeu
tinha uma filha, Admeta, uma sacerdotisa de Hera. Com tantos deuses a honrar, a
menina tinha que escolher justamente a mesma de seu pai, não é? Maior que a
educação é sempre o exemplo. De qualquer forma a princesa Admeta teve uma idéia
genial para usar o “office-boy” do pai: usá-lo para conseguir o cinturão da
bela e poderosa rainha das amazonas, Hipólita.
Euristeu
adorou a ideia. Até então não havia notícias de quem quer que houvesse vencido
as amazonas - uma tribo de mulheres guerreiras que usavma os homens apenas para
procriação - em combate.
A caminho do
seu nono trabalho Herácles já estava ficando famoso e outros heróis se juntaram
a ele nessa jornada. Entre eles Teseu, o poderoso herói da cidade de Atenas.
Todos chegaram juntos a Temiscyra, lar das amazonas e Herácles se adiantou em
conversar com a rainha Hipólita para pedir, educadamente, seu cinturão
emprestado. Este cinturão fora dado a Hipólita pelo deus Ares, pela bravura que
a rainha demonstrou em combate quando, disputando com outras jovens da cidade,
tomou o trono para si.
Hipólita,
seja porque simpatizou com Herácles ou porque não queria um confronto com
tantos outros guerreiros em seu pais, concedeu em emprestar o cinturão que,
obviamente, deveria ser devolvido imediatamente após ser mostrado a Euristeu.
Parecia que finalmente o filho de Alcmena conseguiria resolver um trabalho sem
sangue, suor e dores.
Mas assim
seria muito fácil, não é mesmo? Não satisfeita com a solução diplomática, Hera
se metamorfoseou em uma guerreira amazona e começou a ironizar e a achincalhar
da bravura dos heróis ali reunidos. Fazia todas as amazonas gargalharem com
força e o orgulho ferido dos demais guerreiros foi o suficiente para instaurar
a confusão e a guerra.
Hércules, por
acidente, assassina Hipólita e, junto com Teseu e os demais, acabam afugentando
as amazonas por tempo suficiente para que eles fujam, com o cinturão, claro!
Ainda que
Hipólita tenha sido morta o cinturão foi devolvido às suas filhas, logo após
adornar a vista da princesa Admeta, que ficou ainda mais frustrada depois de
ter tão perto o objeto de seu desejo apenas para vê-lo escapulir por entre seus
dedos.
-X-
Os bois
Gerião era
neto de Medusa. A górgona, meio serpente meio mulher cujos cabelos de serpente
e olhar vermelho sangue tinham o poder de transformar em pedra todos os que o
encarassem de frente. A esse tempo Medusa já estava morta pelo bisavô materno
de Herácles, Perseu, mas logo depois de morrer Medusa deu à luz a Gerião e ao
cavalo alado Pégaso. Pensando no visual da mãe de Gerião dificilmente se espera
grandes coisas do filho em matéria de beleza. Pois bem, Gerião era um gigante
colossal com três troncos e três cabeças unidas por uma única cintura, de onde
saíam seis pernas e seis pés. Parece uma simpatia de sujeito, não?
Pois foi
justamente o gado desse “belo rapaz” acima que Euristeu mandou Herácles roubar.
Não havia cidade a salvar, monstro a derrotar (talvez só o próprio Gerião, mas
este vivia isolado nos confins da terra e não incomodava ninguém) ou qualquer
tipo de limpeza que pudesse trazer ainda mais fama e glória ao herói. Era
roubo, puro e simples.
Depois de
muitos meses andando sozinho – os colegas de expedição haviam feito muita
bagunça no encontro com as amazonas e Herácles resolveu viajar desacompanhado –
Herácles chega até onde está Gerião. Este possui um gigantesco cão, chamado
Ortro, que logo ataca o herói numa tocaia e acaba sendo morto, sob uma chuva de
poderosas pancadas que lhe quebraram todos os ossos.
Gerião,
assustado pelos barulhos secos das pancadas de Herácles e dos gemidos cada vez
mais fracos de seu cão, avança sobre Hércules arremessando pedras. O herói saca
suas flechas envenenadas e mata, um a um, os três corpos do gigante.
Carregar o
rebanho é que foi a grande tarefa. Ele era grandioso demais e atravessar o mar
aberto que separava a ilha de Erítia, onde se escondia o gigante, em direção a
Micenas com todos aqueles animais era o verdadeiro desafio. Depois de muito
caminhar em direção ao leste o herói ameaça ao próprio deus Hélios, o sol, caso
ele não emprestasse sua “taça” (os gregos escreveram “taça”, mas podemos ler “barco”...)
para que ele atravessasse o oceano com os bois. No caminho, para lembrar sua
façanha por haver ido tão longe, o herói ergue duas enormes colunas que separam
a Líbia da Europa. Essas colunas foram chamadas de “Colunas de Herácles”. Ao
longo do caminho de volta vários santuários foram sendo erguidos em sua
homenagem, à medida em que o herói ia matando monstros, ladrões e criminosos em
sua passagem.
-XI-
O Cão
Desesperado
com as vitórias consecutivas do herói, agora famoso em toda a Grécia e mesmo
fora dela, Euristeu decide mando ao quinto dos infernos! Bem, na verdade não ao
quinto, nem exatamente dos infernos, mas sim ao ínfero, ao mundo inferior,
morada de Hades, o invisível deus da morte e dos mortos, para buscar Cérbero, o
cão de três cabeças, cauda de dragão, pescoço e dorso eriçados de serpentes.
Pois é, não é lá uma visão muito animadora.
Na verdade
era uma tarefa impossível de ser realizada, mesmo pelo poderoso filho de Zeus,
sem alguma ajuda. Nesse trabalho Herácles rezou a Atená que viesse a seu
auxílio, oferecendo alguma inspiração que o auxiliasse. Ela lhe chega junto com
Hermes, deus da comunicação e condutor dos mortos ao reino de Hades. Enquanto
Hermes lhe indica o caminho para o reino de Hades, Atená lhe dá as instruções
sobre o que fazer por lá.
Nos
territórios de Hades todos os eidolon
(espectros) fugiram dele, menos o de Medusa e Meleágro, o herói que havia
desposado a poderosa heroína Atalanta.
Herácles promete a Meleágro que, se conseguisse retornar, desposaria sua
irmã, a bela Dejanira.
Descendo
ainda mais rumo às entranhas da terra Herácles começa a ouvir a voz de Hades,
que vem de todos os lados! O herói pediu à voz invisível de seu tio que ele
pudesse levar o cão Cérbero para Micenas para mostrá-lo a Euristeu. Hades
sorriu e disse-lhe que desde que seu poderoso sobrinho usasse apenas as mãos
nuas, poderia levar seu “cãozinho” para “passear”. Contra o poderoso Cérbero, o
Herói usou a mesma técnica que aprendera na luta contra o Leão de Neméia:
sufocou-o até que ele consentiu em acompanhar o herói.
Vendo Cérbero,
com suas três gigantescas cabeças e as cobras que dela saíam, Euristeu, branco
como sal, se jogou gritando dentro do seu jarro de bronze.
Herácles
ainda teve de escoltar o “fofo” bichano até seu tio de volta. Sua tia/irmã Perséfone,
a esposa de Hades, riu muito quando o herói contou-lhe sobre um certo “veneno
nauseabundo” que Euristeu teria exalado dentro do jarro, após vislumbrar
Cérbero...
-XII-
A maçã
Quando Hera
casou-se com Zeus recebeu de “vovó” Gaia, como presente de núpcias, uma árvore
que frutificava as maçãs de ouro puro! A esposa de Zeus as achou tão belas que
plantou a árvore no seu jardim, no extremo Ocidente. Ali por perto estava
Atlas, o titã – divindade primitiva – primo de Zeus e Hera, que fora condenado
a sustentar Úrano - o “vovô” céu que fora castrado por seu filho Crono - para
que este não caísse sobre a “vovó” Gaia e esmagasse a humanidade e os deuses.
As filhas de Atlas ficaram encarregadas de cuidar do Jardim de Hera, junto com
um poderoso dragão, imortal, de cem cabeças, que nunca dormia.
Depois de uma
exaustiva viagem até os confins do mundo conhecido (dizem que em direção ao que
hoje chamaríamos de “Continente Americano”), Herácles encontrou o gigantesco
Atlas, no alto da mais alta das montanhas, erguendo e segurando, sobre os potentes
ombros, todo o poderoso ‘Céu Estrelado’, como naquele tempo chamava-se “vovô” Úrano.
Conversando
com Atlas e fazendo amizade com esse gigante isolado no fim do mundo, Hércules
propôs uma troca. Ele ficaria ali segurando o céu enquanto Atlas – que conhecia
o dragão de Hera e era pai Hespérides - iria até o Jardim e pegaria um dos
pomos para o herói.
Assim foi
feito, mas, na volta, Atlas começou a pensar que era bem cômodo não ter de
segurar mais o Céu e, ao chegar até Herácles, resolveu que não trocaria mais de
lugar com o Herói. Herácles aceitou imediatamente, sem titubear, só pediu que
Atlas, rapidamente, segurasse um pouquinho o Céu novamente para que o filho de
Zeus pudesse ajeitar a pele do Leão de Neméia que estava coçando. Assim que
Atlas segurou o Céu, Herácles agradeceu pelo pomo dourado e despediu-se!
O pomo
dourado significa, também, a entrada no reino dos deuses. É a fruta que, se
provada por um mortal, torna-o imortal, é o convite, a entrada para o reino do
Olimpo.
Várias
aventuras ainda foram travadas pelo grande herói, mas, depois de voltar com a
maçã de ouro para seu covarde primo Euristeu e oferecê-la, o próprio Herácles,
em honra da toda poderosa Hera, eles, finalmente, fizeram as pazes.
Após os 12 trabalhos...
Após os 12 trabalhos...
Muitas outras aventuras ocorreram depois e mesmo durante os doze trabalhos até que Héracles morresse e ascendesse como um deus aos céus, para casar-se com Hebe, a deusa da eterna juventude. Mas esse é um assunto para outro encontro, um outro dia...
por Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
criador dos encontros Mito e Mente I e Mito e Mente II
Diretor do Instituto ATENA
criador dos encontros Mito e Mente I e Mito e Mente II