domingo, 15 de setembro de 2013

Hércules, a determinação


Ainda que várias histórias sejam recontadas sobre outras histórias relidas, ainda que a memória esvoace os detalhes íntimos das mais fantásticas fábulas, ainda assim, há um quê que se perpetua e transcende os pormenores perdidos no tempo.





Segundas leituras

Então não se preocupem em demasia com o nexo narrativo. Ao menos não tanto quanto você se preocuparia com o nexo simbólico. O mito é como a realidade, tem uma aparência imediata, uma primeira leitura de atos, nomes e datas, e várias camadas de novas leituras, recheadas de motivações, sentimentos, ardis, emoções e intuições. São essas segundas leituras que nos interessam nos encontros Mito e Mente. 

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No último encontro Mito e Mente II vimos a infância nobre, a tragédia pessoal e familiar, a determinação e os aprendizados de Héracles em seus doze trabalhos. Foram duas horas de mito puro, percepções simbólicas e, no final, dinâmicas e debates de interpretação em grupo. Tudo isso regado a boas doses de queijos e vinhos, no maravilhoso Pub do Espaço Habitat Carioca!

Aqui no blog não cabe, infelizmente, a atmosfera mágica e íntima da contação do mito, das interpretações que fizemos e menos ainda a experiência da noite de símbolos entre vinhos chilenos e argentinos, uvas verdes e cubos de gruyere, sardo, gouda e minas, mas podemos dar uma ideia transcrevendo uma pequena parte da apostila diretamente para o blog.
Senhoras e senhores, bem vindos aos 





Os doze trabalhos de Héracles

Os famosos doze trabalhos são, pois, as provas as quais o reis de Argos, o covarde Euristeu, submeteu seu primo Herácles, por expiação pelo crime familiar, por ter assassinado - ainda que por um ardil dda toda-poderosa deusa Hera - sua primeira esposa Mégara e seus filhos.

“Num plano simbólico, as doze provas configuram um vasto labirinto, cujos meandros, mergulhados nas trevas, o herói terá de percorrer até chegar à luz, onde, despindo a mortalidade, se revestirá do homem novo, recoberto com a indumentária da imortalidade.” – Junito Brandão

Mas calma, querido participante dos encontros Mito e Mente, porque o couro do nosso querido herói ainda tem muito que ser curtido até lá...

O número 12
Nenhum número é por acaso na mitologia. Nem mesmo as três deusas amigas de Hera (três é um número típico para grandes divindades femininas na Grécia), nem muito menos o número doze!

Segundo Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, no seu maravilhoso Dicionário de Símbolos: “é o número das divisões espaço-temporais, produto dos quatro pontos cardeais pelos três níveis cósmicos. Divide o céu, visualizado como uma cúpula, em doze setores, os doze signos do zodíaco, mencionados desde a mais alta antiguidade (...) Doze simboliza, pois, o universo em seu desenvolvimento cíclico espaço-temporal. O duodenário, que caracteriza o ano e o zodíaco, representa a multiplicação dos quatro elementos, água, ar, terra e fogo, pelo três princípios alquímicos, enxofre, sal e mercúrio, ou ainda os três estados de cada elemento em suas fases sucessivas: evolução, culminação e involução. (...) Também em torno da Távola Redonda do rei Artur sentavam-se doze cavaleiros. (...) Doze é, por conseguinte, o número de uma realização integral, de um fecho completo, de um uróboro.


-I-
O Leão

O primeiro trabalho que Hera inspirou Euristeu a pedir a Herácles foi a caçada ao Leão de Neméia, uma fera invencível e completamente invulnerável que devastava a região montanhosa da Neméia.

O Leão era neto de Tífon – o monstruoso dragão/serpente que seu pai Zeus teve de fulminar para tomar posse de seu trono entre os deuses. Tífon era tão grande que, ao ser enterrado nas entranhas da terra após sua derrota, formou com seu corpo imortal, uma cordilheira.
Hércules seguiu para a região da Neméia e não teve problemas em encontrar o rastro de sangue e a pilha de cadáveres que levava até a caverna da fera. Preparou-se para o confronto iminente e, assim que avistou o gigantesco animal que tinha a sua altura (três metros de altura, nas quatro patas!) tentou matá-lo com as flechas presenteadas por Apolo. Nada feito.

Hércules percebeu, ao longo de sua rotina diária de batalhas com a fera, que o Leão estava sempre bem disposto e alimentado, o que lhe causou uma grande estranheza porque ele, o herói, estava impedindo que o leão saísse para caçar justamente para tentar matá-lo de fome. Depois de alguma pesquisa pelas cavernas o herói descobriu o motivo: a caverna tinha outras saídas. Todas foram devidamente lacradas por pedras colossais e então o herói decidiu que era hora de “matar ou morrer” naquela inglória primeira tarefa e investiu com tudo contra o monstro.

Depois de muitos arranhões, cortes e mordidas profundas e abalos estrondosos de socos e pontapés trocados, caíram os dois, Herácles e o Leão, arfando pesadamente, um do lado do outro. Foi quando o herói olhou para o leão pensando em quem teria “mais fôlego” para ir até o fim, fosse qual fosse. Então ele percebeu: “Esse desgraçado respira!”. Mais rápido que o raio de seu pai, Herácles saltou para cima do Leão e – inaugurando o golpe “mata leão” – sufocou o animal até a morte.

Percebendo que, depois do tempo gasto para conseguir eliminar o animal, seria quase impossível arrastar todo o seu gigantesco peso a tempo até Euristeu. Viu-se diante de um novo problema: carregar a prova da morte do Leão!

Para isso abriu a pele do Leão com as próprias garras deste e, ainda por cima, fez da pele invulnerável do animal sua armadura cobrindo o peito, os ombros, a cabeça e toda a região das costas! Agora todos os seus desafios e desafiantes teriam de ter a hombridade de atacar de frente!

Ao aparecer para Euristeu com a gigantesca cabeça de leão com suas afiadas presas ao redor da própria cabeça, cruzando os poderosos braços e sorrindo, toda a corte de Argos testemunhou o pulo vergonhoso que o monarca deu, para se esconder dentro de um vaso de bronze, colocado ao lado do trono.


-II-
A Hidra


O segundo trabalho de Herácles era livrar a região de Lerna, um pântano pestilento, da Hidra, outro dos filhos de Tífon! A hidra era uma gigantesca serpente cujo número de cabeças varia entre três a doze. De qualquer forma a cada vez que a espada que Hermes deu ao nosso herói decapitava uma cabeça, duas novas nasciam em seu lugar. Ainda que começasse com três cabeças não demoraria muito para chegar em doze, ou mais.

Nessa jornada o acompanhou seu sobrinho Iolau, filho de seu irmão. Iolau portava uma tocha para iluminar os caminhos fechados do pântano e auxiliar Herácles na batalha.

Não demorou para Herácles pedir a tocha emprestada para “cauterizar” os pescoços logo depois de decapitá-los. Assim a Hidra foi vencida. Uma de suas cabeças era imortal e não importava quantas vezes fosse cortada – ou em quantos pedaços! – ela sempre voltava e se refazia. Então Herácles pegou a maior pedra que pôde encontrar no pântano e esmagou essa última cabeça.

Do corpo da Hidra saiu um sangue negro que, escorrendo por um rio próximo, fez todos os peixes boiarem, mortos, à superfície. Entendendo a potência daquele veneno, Herácles embebeu todas as suas flechas nele e, com isso, se tornou um inimigo ainda mais mortífero.


-III-
O Javali

Quando carcaças gigantescas de diferentes animais teoricamente indestrutíveis começaram a ser lugar comum em Micenas, Euristeu resolve, sempre inspirado pela divina Hera, pedir que Herácles traga um desses monstros vivo!

Havia na Calidônia, região da Hiperbórea (acima da “casa” do vento Bóreas, que é o vento que vem do norte), um enorme javali que, para variar, destruía tudo o que estivesse ao seu redor.

Hércules o domou pelas presas e o trouxe, arrastado e se debatendo, à presença de Euristeu, que, à vista do gigantesco animal negro com suas mandíbulas e língua vermelho-sangue, banhou seu rico trono com sua real urina.


-IV-
A Corça

Bem, se força física não parece ser um problema para o grandioso filho de Alcmena. O jeito é recorrermos a outros tipos de tarefas. Que tal correr? Correr mais do que uma corça, que é o símbolo mítico da velocidade, da agilidade e da elegância e graças femininas. E que tal uma corça sagrada, dedicada à deusa Ártemis, deusa das caçadas e dos animais selvagens? Parece mais interessante, não? Pois é o que Euristeu manda Herácles fazer, e que ela seja trazida viva!

Após chegar na região de Cerínia, uma região inteira de floresta consagrada à deusa Ártemis, o poderoso campeão grego passou um ano correndo atrás da corça. A bem da verdade os primeiros dois meses foram apenas para aprender a diferenciar o barulho do vento da passagem do animal. Daí em diante foi um treinamento diário, constante, ininterrupto, de corrida. Ainda assim o herói só conseguiu pegar o animal arisco porque foi dócil e esperou até que ele entrasse num rio para ir pegá-lo.

Finalmente se apossando da corça, Herácles recebeu a visita inesperada de seus dois irmãos divinos: Apolo e Ártemis, a dona da corça. Nenhum dos dois parecia disposto a deixar Herácles levar a bichinha para o insidioso Euristeu.

Herácles teve de se comprometer em não deixar que a machucassem para que os deuses o deixassem seguir viagem.


-V-
As Aves

Os trabalhos teriam de ser cada vez piores e a dupla Hera e Euristeu não pouparam esforços em suas pesquisas para enviar Herácles aos piores cantos do mundo até então conhecido. A nova modalidade, visto que o herói havia ido bem em matar monstros em terra e água e, também em trazer vivos seres fantásticos, era matar aves. Mas não aves comuns, claro!

As aves do lago Estínfalo eram dezenas de aves com penas de bronze (invulneráveis a flechas normais) que voavam a um quilômetro de altura e se alimentavam de carne humana. A queda de suas penas cuidava de matar pessoas e destruir propriedades ao redor do lago e, não fosse isso problema suficiente, elas se escondiam durante o dia em vários pequenos orifícios em cavernas próximas ao lago. Orifícios pequenos demais para que o gigantesco filho de Zeus conseguisse enfiar as mãos, um a um.

Chegando na região do lago, Herácles começou a fazer barulho e a bater palmas para afugentar as aves de seus esconderijos. Às vezes conseguia fazer uma ou outra sair por alguns instantes e, retesando eu arco com flechas embebidas no venenoso sangue da Hidra, matava-a. A tarefa estava lenta demais. Provavelmente mais lenta do que o tempo que as próprias aves levavam para se reproduzir.

Herácles para, à beira do lago, e pensa no que fazer para afastar aquelas aves todas de uma vez só. Então Hefesto, seu irmão divino e deus da força e dos metais, lhe envia a idéia de aproveitar as inúmeras penas de bronze ao redor e fazer com elas um chocalho. Sacudindo-o no ar sobre a superfície do lago o herói tem a grata surpresa de criar um barulho tão insuportavelmente alto e irritante que as aves todas lançam vôo imediatamente! Ele não perde tempo e as alveja, uma a uma, com suas flechas envenenadas!

De brinde ainda leva novas “ponteiras” para suas novas flechas no futuro: as próprias penas das aves mortas.


-VI-
Os estábulos de Augias

Augias era o gigante rei filho de Hélios, o luminoso deus-sol que tudo vê, e foi o próximo escolhido de Hera para ser agraciado pelos serviços de Herácles. Mas dessa vez nada glorioso como matar grandes feras que acabavam servindo de troféus para o poderoso herói enquanto cruzava a Grécia ou sendo incrementadas ao seu já vasto arsenal. A tarefa era se apresentar a Augias para limpar seus estábulos, carregados com três décadas dos estrumes de bois, cabras e cavalos. Nada glorioso, heróico ou engrandecedor para seu ego.

Herácles tinha um ano para cumprir a tarefa, como teve com cada uma das anteriores e, checando cada espaço do reino de Augias e fazendo pequenas tarefas aqui e ali fazendo o máximo para não ser notado, se apresentou ao rei com uma proposta: limparia todos os estábulos em um dia! Isso, é claro, em troca de um décimo do rebanho do grande rei. Se não conseguisse ficaria como escravo de Augias após servir a Euristeu.

Gargalhando muito, Augias concordou e levou Herácles até a área dos estábulos, onde o herói fingiu estar muito impressionado com as grandes montanhas de esterco e todo tipo de verme e pequenos animais que por ali já criavam seu habitat. Augias deu um tapinha no ombro do herói e foi-se embora, gargalhando.

Herácles desviou a vazão dos rios Alfeu e Peneu para que passassem por dentro do estábulo como um gigantesco tsunami, carregando tudo o que não fosse parede por lá. Em questão de horas o trabalho estava feito e as paredes do estábulo cintilavam!

Augias se negou a honrar o compromisso estabelecido com o Herói e acabou tendo de travar duas guerras contra ele. Motivo pelo qual Herácles acabou mesmo voltando só depois de um ano para junto de Euristeu, mas não sem trazer junto um décimo do rebanho do ex-rei, morto a flechadas por Herácles.


-VII-
O Touro

Euristeu e Hera perceberam que poderiam ter dois grandes novos aliados na batalha contra Herácles: o tempo e o espaço! Estavam enviando o herói para realizar tarefas em terras muito próximas! O próximo trabalho incluiria atravessar o mar e enfrentar um animal fantástico na poderosa ilha de Creta. Além, é claro, de voltar com o animal para comprovar seu feito.

Minos, rei de Creta, havia feito uma promessa a Pósidon, deus dos mares, de que sacrificaria em favor deste último qualquer animal que saísse das águas do mar. Assim conseguiria seus favores na navegação e no seu reino submarino.

Acontece que Pósidon enviou a Minos um touro enorme e majestoso, como nenhum ser humano jamais havia visto. Minos percebeu que, colocando esse touro para procriar com seu rebanho, ele teria um rebanho incrível e poderia negociá-lo a preço de ouro com seus vizinhos comerciais. Então o rei enviou um outro touro para ser sacrificado, na esperança de que Pósidon não notasse a óbvia diferença! Não é preciso dizer que não deu lá muito certo, não é mesmo?

Pósidon, irado, enlouqueceu o touro que havia enviado a Minos. O animal, antes pacífico, começou a soltar chamas pelo nariz e a destruir tudo ao seu redor, parando apenas para dormir. Algumas semanas depois disso Herácles aporta em Creta e se oferece para resolver o problema. Lutando bravamente contra o gigantesco animal, o filho de Zeus consegue prendê-lo pelos chifres e cavalgá-lo sobre o oceano de volta até Micenas. Lá oferece o touro a Euristeu, que se joga dentro do vaso de bronze que ficava ao lado de seu trono e não consegue, sequer, pronunciar palavra, a não ser pensar – apenas pensar, e pensar gaguejando! – que gostaria de oferecer o touro a Hera. A deusa lhe ordena que mande Herácles soltar o animal nas planícies da cidade de Maratona.

Mais tarde esse mesmo touro será um problema para outro herói e amigo de Herácles, Teseu.


-VIII-
As éguas
Como o trabalho anterior fora cumprido quase no limite de tempo estabelecido, Hera e Euristeu, ainda que muito frustrados, sentiram que estavam no caminho certo enviando o herói para lugares longínquos. Então a deusa inspirou Euristeu a lembrar do grande Diomedes, um poderoso filho de Ares, deus da guerra, que habitava os limites do mundo conhecido.

Acontece que Diomedes tinha uma natureza extremamente sádica e havia criado suas famosas éguas alimentando-as com carne humana, o que deixava elas com um ânimo muito parecido com o que tivemos no mal da “vaca louca” alguns anos atrás. A oitava tarefa de Herácles seria ir até Diomedes e domesticar suas éguas, para que fossem pacíficas.

Diomedes ataca Herácles assim que o vê, sem dar sequer tempo para conversa, e, no calor da batalha, o herói joga o filho de Ares, já bem devidamente espancado, na frente das éguas que, após se banquetearem com a carne do seu antigo mestre, magicamente se tornam mansas e tranquilas.


-IX-
O cinturão

Euristeu tinha uma filha, Admeta, uma sacerdotisa de Hera. Com tantos deuses a honrar, a menina tinha que escolher justamente a mesma de seu pai, não é? Maior que a educação é sempre o exemplo. De qualquer forma a princesa Admeta teve uma idéia genial para usar o “office-boy” do pai: usá-lo para conseguir o cinturão da bela e poderosa rainha das amazonas, Hipólita.

Euristeu adorou a ideia. Até então não havia notícias de quem quer que houvesse vencido as amazonas - uma tribo de mulheres guerreiras que usavma os homens apenas para procriação - em combate.

A caminho do seu nono trabalho Herácles já estava ficando famoso e outros heróis se juntaram a ele nessa jornada. Entre eles Teseu, o poderoso herói da cidade de Atenas. Todos chegaram juntos a Temiscyra, lar das amazonas e Herácles se adiantou em conversar com a rainha Hipólita para pedir, educadamente, seu cinturão emprestado. Este cinturão fora dado a Hipólita pelo deus Ares, pela bravura que a rainha demonstrou em combate quando, disputando com outras jovens da cidade, tomou o trono para si.

Hipólita, seja porque simpatizou com Herácles ou porque não queria um confronto com tantos outros guerreiros em seu pais, concedeu em emprestar o cinturão que, obviamente, deveria ser devolvido imediatamente após ser mostrado a Euristeu. Parecia que finalmente o filho de Alcmena conseguiria resolver um trabalho sem sangue, suor e dores.

Mas assim seria muito fácil, não é mesmo? Não satisfeita com a solução diplomática, Hera se metamorfoseou em uma guerreira amazona e começou a ironizar e a achincalhar da bravura dos heróis ali reunidos. Fazia todas as amazonas gargalharem com força e o orgulho ferido dos demais guerreiros foi o suficiente para instaurar a confusão e a guerra.

Hércules, por acidente, assassina Hipólita e, junto com Teseu e os demais, acabam afugentando as amazonas por tempo suficiente para que eles fujam, com o cinturão, claro!
Ainda que Hipólita tenha sido morta o cinturão foi devolvido às suas filhas, logo após adornar a vista da princesa Admeta, que ficou ainda mais frustrada depois de ter tão perto o objeto de seu desejo apenas para vê-lo escapulir por entre seus dedos.

-X-
Os bois

Gerião era neto de Medusa. A górgona, meio serpente meio mulher cujos cabelos de serpente e olhar vermelho sangue tinham o poder de transformar em pedra todos os que o encarassem de frente. A esse tempo Medusa já estava morta pelo bisavô materno de Herácles, Perseu, mas logo depois de morrer Medusa deu à luz a Gerião e ao cavalo alado Pégaso. Pensando no visual da mãe de Gerião dificilmente se espera grandes coisas do filho em matéria de beleza. Pois bem, Gerião era um gigante colossal com três troncos e três cabeças unidas por uma única cintura, de onde saíam seis pernas e seis pés. Parece uma simpatia de sujeito, não?

Pois foi justamente o gado desse “belo rapaz” acima que Euristeu mandou Herácles roubar. Não havia cidade a salvar, monstro a derrotar (talvez só o próprio Gerião, mas este vivia isolado nos confins da terra e não incomodava ninguém) ou qualquer tipo de limpeza que pudesse trazer ainda mais fama e glória ao herói. Era roubo, puro e simples.

Depois de muitos meses andando sozinho – os colegas de expedição haviam feito muita bagunça no encontro com as amazonas e Herácles resolveu viajar desacompanhado – Herácles chega até onde está Gerião. Este possui um gigantesco cão, chamado Ortro, que logo ataca o herói numa tocaia e acaba sendo morto, sob uma chuva de poderosas pancadas que lhe quebraram todos os ossos.

Gerião, assustado pelos barulhos secos das pancadas de Herácles e dos gemidos cada vez mais fracos de seu cão, avança sobre Hércules arremessando pedras. O herói saca suas flechas envenenadas e mata, um a um, os três corpos do gigante.

Carregar o rebanho é que foi a grande tarefa. Ele era grandioso demais e atravessar o mar aberto que separava a ilha de Erítia, onde se escondia o gigante, em direção a Micenas com todos aqueles animais era o verdadeiro desafio. Depois de muito caminhar em direção ao leste o herói ameaça ao próprio deus Hélios, o sol, caso ele não emprestasse sua “taça” (os gregos escreveram “taça”, mas podemos ler “barco”...) para que ele atravessasse o oceano com os bois. No caminho, para lembrar sua façanha por haver ido tão longe, o herói ergue duas enormes colunas que separam a Líbia da Europa. Essas colunas foram chamadas de “Colunas de Herácles”. Ao longo do caminho de volta vários santuários foram sendo erguidos em sua homenagem, à medida em que o herói ia matando monstros, ladrões e criminosos em sua passagem.


-XI-
O Cão

Desesperado com as vitórias consecutivas do herói, agora famoso em toda a Grécia e mesmo fora dela, Euristeu decide mando ao quinto dos infernos! Bem, na verdade não ao quinto, nem exatamente dos infernos, mas sim ao ínfero, ao mundo inferior, morada de Hades, o invisível deus da morte e dos mortos, para buscar Cérbero, o cão de três cabeças, cauda de dragão, pescoço e dorso eriçados de serpentes. Pois é, não é lá uma visão muito animadora.

Na verdade era uma tarefa impossível de ser realizada, mesmo pelo poderoso filho de Zeus, sem alguma ajuda. Nesse trabalho Herácles rezou a Atená que viesse a seu auxílio, oferecendo alguma inspiração que o auxiliasse. Ela lhe chega junto com Hermes, deus da comunicação e condutor dos mortos ao reino de Hades. Enquanto Hermes lhe indica o caminho para o reino de Hades, Atená lhe dá as instruções sobre o que fazer por lá.

Nos territórios de Hades todos os eidolon (espectros) fugiram dele, menos o de Medusa e Meleágro, o herói que havia desposado a poderosa heroína Atalanta.  Herácles promete a Meleágro que, se conseguisse retornar, desposaria sua irmã, a bela Dejanira.

Descendo ainda mais rumo às entranhas da terra Herácles começa a ouvir a voz de Hades, que vem de todos os lados! O herói pediu à voz invisível de seu tio que ele pudesse levar o cão Cérbero para Micenas para mostrá-lo a Euristeu. Hades sorriu e disse-lhe que desde que seu poderoso sobrinho usasse apenas as mãos nuas, poderia levar seu “cãozinho” para “passear”. Contra o poderoso Cérbero, o Herói usou a mesma técnica que aprendera na luta contra o Leão de Neméia: sufocou-o até que ele consentiu em acompanhar o herói.

Vendo Cérbero, com suas três gigantescas cabeças e as cobras que dela saíam, Euristeu, branco como sal, se jogou gritando dentro do seu jarro de bronze.

Herácles ainda teve de escoltar o “fofo” bichano até seu tio de volta. Sua tia/irmã Perséfone, a esposa de Hades, riu muito quando o herói contou-lhe sobre um certo “veneno nauseabundo” que Euristeu teria exalado dentro do jarro, após vislumbrar Cérbero...


-XII-
A maçã

Quando Hera casou-se com Zeus recebeu de “vovó” Gaia, como presente de núpcias, uma árvore que frutificava as maçãs de ouro puro! A esposa de Zeus as achou tão belas que plantou a árvore no seu jardim, no extremo Ocidente. Ali por perto estava Atlas, o titã – divindade primitiva – primo de Zeus e Hera, que fora condenado a sustentar Úrano - o “vovô” céu que fora castrado por seu filho Crono - para que este não caísse sobre a “vovó” Gaia e esmagasse a humanidade e os deuses. As filhas de Atlas ficaram encarregadas de cuidar do Jardim de Hera, junto com um poderoso dragão, imortal, de cem cabeças, que nunca dormia.
Depois de uma exaustiva viagem até os confins do mundo conhecido (dizem que em direção ao que hoje chamaríamos de “Continente Americano”), Herácles encontrou o gigantesco Atlas, no alto da mais alta das montanhas, erguendo e segurando, sobre os potentes ombros, todo o poderoso ‘Céu Estrelado’, como naquele tempo chamava-se “vovô” Úrano.

Conversando com Atlas e fazendo amizade com esse gigante isolado no fim do mundo, Hércules propôs uma troca. Ele ficaria ali segurando o céu enquanto Atlas – que conhecia o dragão de Hera e era pai Hespérides - iria até o Jardim e pegaria um dos pomos para o herói.

Assim foi feito, mas, na volta, Atlas começou a pensar que era bem cômodo não ter de segurar mais o Céu e, ao chegar até Herácles, resolveu que não trocaria mais de lugar com o Herói. Herácles aceitou imediatamente, sem titubear, só pediu que Atlas, rapidamente, segurasse um pouquinho o Céu novamente para que o filho de Zeus pudesse ajeitar a pele do Leão de Neméia que estava coçando. Assim que Atlas segurou o Céu, Herácles agradeceu pelo pomo dourado e despediu-se!

O pomo dourado significa, também, a entrada no reino dos deuses. É a fruta que, se provada por um mortal, torna-o imortal, é o convite, a entrada para o reino do Olimpo.


Várias aventuras ainda foram travadas pelo grande herói, mas, depois de voltar com a maçã de ouro para seu covarde primo Euristeu e oferecê-la, o próprio Herácles, em honra da toda poderosa Hera, eles, finalmente, fizeram as pazes.


Após os 12 trabalhos...
Muitas outras aventuras ocorreram depois e mesmo durante os doze trabalhos até que Héracles morresse e ascendesse como um deus aos céus, para casar-se com Hebe, a deusa da eterna juventude. Mas esse é um assunto para outro encontro, um outro dia...

por Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
criador dos encontros Mito e Mente I e Mito e Mente II

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